Em 30.10.2019, o Professor Doutor Bernardo Guimarães e o Professor Doutor Bruno Salama apresentarão seu working paper “Permitting prohibitions in a model of statutory interpretation” para discussão com os integrantes do grupo.
Conforme as regras de participação no grupo, todos os integrantes do grupo deverão enviar uma resenha crítica de todos os papers apresentados em cada reunião, com os pontos fortes e fracos do trabalho.
Para facilitar as comunicações entre os integrantes, pedimos a gentileza de que vocês postem as suas críticas como comentários ao post correspondente ao paper em questão. Os comentários passarão por uma avaliação antes de serem disponibilizados ao público.
O artigo discute uma ideia inovadora e relevante. Um possível exemplo a ser utilizado para a validação da teoria seria a análise do impacto da ‘lei do distrato’, que formalizou o ‘direito de desistência’ do comprador do imóvel, formalmente inexistente, porém na prática reconhecido pelos tribunais, ao permitir o desfazimento do negócio com a restituição imediata de todos os valores pagos apenas porque alegado o desinteresse do consumidor, limitando-se ainda eventual cláusula penal.
Com a lei, determinou-se a possibilidade de desistência pelo consumidor em sete dias da compra, um prazo aparentemente ínfimo e uma possibilidade solicitada na prática. Se bem compreendi o modelo, é possível que esta autorização ao distrato acabe por permitir menos distratos, posto que agora há permissão para a desistência ‘rápida’, quando antes era vedada a desistência a qualquer momento.
No artigo intitulado “Permitting prohibitions in a model of statutory interpretation” de Bernardo Guimarães e Bruno Salama, apresenta-se proposta de modelo em que trabalha a questão do cumprimento de regras e leis a partir da análise do conteúdo normativo.
Sistemas judiciais tendem a ser mais flexíveis com o cumprimento de regras quando não coadunam com elas, ou melhor, quando juízes não valoram positivamente as regras do jogo antes de sua aplicação, haverá maior probabilidade de tornar brando o enforcement.
Cada ato normativo contém informações úteis para as cortes decidirem sobre o caso, e a depender do seu conteúdo, as decisões podem variar no determinado caso concreto. Em alguns casos as legislações avançam determinadas barreiras que impedem o seu completo cumprimento.
A adjudicação será variável e não ordenada a depender do legislador e sua característica, sendo “bom legislador” deverá sempre ser cumprida; ao revés, sendo “mau legislador” a tendência é de abrandamento.
Desta forma, a partir de exemplos, foi proposto modelo de escolha baseado no cumprimento das leis e regras, a partir de sinais emitidos pelo próprio ato normativo. O resultado dependerá crucialmente de quanto informada são as cortes acerca de determinado ato.
O debate possui relação com o tema eficiência, eficácia e efetividade. A partir do manual de auditoria operacional do Tribunal de Contas da União podemos levantar os conceitos citados, e visualizar a proximidade com o trabalho apresentado.
De acordo com o manual, “a eficiência é definida como a relação entre os produtos (bens e serviços) gerados por uma atividade e os custos dos insumos empregados para produzi-los, em um determinado período de tempo, mantidos os padrões de qualidade”.
Sobre efetividade, “A efetividade diz respeito ao alcance dos resultados pretendidos, a médio e longo prazo. Refere-se à relação entre os resultados de uma intervenção ou programa, em termos de efeitos sobre a população alvo (impactos observados), e os objetivos pretendidos (impactos esperados), traduzidos pelos objetivos finalísticos da intervenção”.
Por fim, ainda relacionado com o estudo, “a eficácia é definida como o grau de alcance das metas programadas (bens e serviços) em um determinado período de tempo, independentemente dos custos implicados”.
Determinar a probabilidade de cumprimento e execução de normas questionadas perante o judiciário é exercitar o juízo acerca da eficiência, eficácia e efetividade de determinada norma.
Em razão da ausência do professor Bruno Salama, o professor Ivo Gico expôs seu artigo sobre BEM-ESTAR SOCIAL E O CONCEITO DE EFICIÊNCIA. A presente resenha abordará esse artigo científico.
O texto “BEM-ESTAR SOCIAL E O CONCEITO DE EFICIÊNCIA” tem como objetivo definir o termo “eficiência” tantas vezes utilizado na Constituição Federal de 88, como em outros diplomas normativos, como o CPC. O mote central é a identificação pelo autor da imprecisão jurisprudencial e doutrinária acerca do conceito de eficiência.
De início, o autor traz as definições de eficiência alocativa, produtiva e dinâmica oriundas da economia. Nesse sentido, a eficiência produtiva é aquela em que, dado um processo/organização, afere-se a maior proporção possível entre inputs e outputs. Dito de outro modo, a eficiência produtiva exige uma maior produção de resultados com a mesma quantidade de insumos ou, dado um resultado fixo, intenta-se diminuir os insumos requeridos no processo produtivo.
O autor utiliza esse conceito de eficiência produtiva para designar a fronteira de possibilidade de produção (FPP). Essa curva revela a possibilidade máxima de produção para os mesmos insumos. Variando os insumos, os resultados alcançados são diversos, mas estão eles sobre uma mesma curva. Em um contexto de FPP máxima, resultados maiores somente serão alcançáveis caso um novo contexto tecnológico ocorra.
A eficiência produtiva apenas trata da relação entre input/output, nada abordando sobre o valor do que se estar a produzir. Para esse tipo de discussão, necessário a análise da eficiência alocativa.
A eficiência alocativa analisa a distribuição ótima de bens e serviços levando-se em consideração as preferências da sociedade, isto é, o resultado do processo produtivo, o produto, for aquele que gerar a maior utilidade ou bem-estar social possível. Se houver uma outra alocação de recursos que gere mais bem estar, então, esse estado social é alocativamente ineficiente.
A ideia por trás da eficiência alocativa é a percepção de que os recursos sociais são escassos, logo a Administração deveria empregá-los na produção de bens/serviços mais úteis à sociedade.
Por fim, a eficiência dinâmica incide no tempo, ou seja, quanto devemos investir hoje para melhorar a eficiência produtiva no futuro? Essa é a questão a ser investigada pela eficiência dinâmica.
Identificado os três meios de compreensão da eficiência da economia, o autor parte para investigar modelos de tomada de decisão. Para isso, avalia-se os critérios de Pareto e de Kaldor-Hicks. Pelo critério de Pareto, dada uma situação inicial A, a situação B será considerada melhor que a situação A, quando a mudança no quadro situacional permitir ganhos às partes envolvidas sem que nenhuma delas apresente uma piora em sua situação original. Dito de outro modo, a situação será Pareto eficiente quando houver um ganha-ganha ou ao menos umas das partes se mantenha inerte.
Apesar da simplicidade do modelo de Pareto, em políticas públicas é natural que esteja presente uma alteração do quadro situacional em que uma das partes sai perdedora e a outra, ganhadora. Nesses casos, o modelo de Pareto não responde quais das situações deveria prevalecer. Para isso, surge o critério de Kaldor-Hicks segundo o qual, a situação após a mudança será melhor, caso os ganhos dos beneficiados com essa alteração fática compensem (ao menos potencialmente, pois não precisa dessa compensação fática) as perdas dos prejudicados.
Um problema do critério de Kaldor-Hicks ocorre em razão da comparação entre perdas e ganhos. Para colocá-los em uma mesma base de comparação, por vezes, será necessário recorrer a critérios subjetivos de atribuição de pesos. Contudo, o autor defende que a tomada de decisão deverá ocorrer, e o critério de Kaldor-Hicks possui o benefício de iluminar o critério subjetivo da tomada de decisão.
Trazendo todos esses conceitos acima elencados para o Direito, o autor enxerta-os na Eficiência, Eficácia e Efetividade. Desse modo, eficácia seria a possibilidade de obter um determinado resultado a partir de uma causa. Assim, uma política pública seria eficaz quando ela pode, ao menos em tese, alcançar o fim para ela proposto. Eficiência, por sua, vez seria encarada como a eficiência produtiva acima descrita em que será eficiente a política pública que produzir maiores resultados com uma dada quantidade de recursos. Por fim, a efetividade corresponderia à eficiência alocativa e dinâmica. Dito de outra forma, efetividade é a característica de produzir o que gera a maior utilidade possível para a organização que está produzindo (eficiência alocativa), hoje e amanhã (eficiência dinâmica).
Mais uma forma brilhante de analisar o direito se utilizando de princípios matemáticos. O trabalho do Prof. Dr. Bernardo Guimarães e o Prof. Dr. Bruno Salana consegue, de forma coesa e acertada, fazer análise matemática de como o julgador, ao julgar o caso concreto, fará juízo de valor não apenas aos fatos do caso, mas também em relação à norma jurídica, levando em consideração o legislador que a criou e a sua intenção.
O modelo proposto – de interpretação estatutária – afirma que a probabilidade de os tribunais reforçarem a aplicação de determinado estatuto estaria condicionada ao estatuto em si mesmo. Isso porque o julgador, ao exercer sua função – qual seja, o de intérprete da legislação –, o faz de forma discricionária e com certo nível de opinião.
Parte-se, então, do pressuposto de que cada estatuto possui informações úteis para os tribunais decidirem se levarão em conta a pessoa do legislador que o criou. Isso porque as legislações são, via de regra, feitas por especialistas, refletindo um balanço entre os poderes e opiniões da sociedade ao tempo em que são criadas. É claro que isso se trata de um mundo ideal. Sabe-se, também, que muitas das vezes o legislador atravessa limites, e o que deveria ser um benéfico à sociedade acaba sendo o oposto, não devendo ser aplicado. Não obstante, a criação de legislações é um grande jogo político, em que interesses particulares estão sempre em questão; mais uma razão para que o julgador analise a fonte da legislação, e a real intenção do legislador.
No modelo proposto, a legislação fornece uma implicação clara, mas não é clara se ela foi devidamente produzida. O julgador se utiliza de seu conhecimento para avaliar a legislação. Ele, então, instrui-se sobre o tipo de legislador: a legislação advinda do bom legislador deve sempre ser seguida, mas a do legislador ruim é enviesada e despropositada. Quão maior for a distância entre a legislação e o que o julgador espera do bom legislador, maior é a probabilidade de que o estatuto tenha sido criado por um legislador ruim e, portanto, deve ser rejeitado.
Se o viés médio dos legisladores ruins é suficientemente grande, o modelo gera uma relação não-monotônica entre proibições legisladas e proibições efetivamente impostas pelos julgadores. Assim, a utilização de um estatuto severo às vezes faz com que os julgadores se utilizem de uma regra mais branda. O trabalho exemplifica: a aplicação de um estatuto que proíbe fumar além de certo ponto pode fazer com que seja mais provável que o julgador considere o ato de fumar até aquele ponto como algo permitido. Da mesma forma, um estatuto que proíbe gravações sem autorização pode tornar mais provável que as cortes validem as gravações na presença de uma autorização. Essas situações são denominadas ‘proibições permissivas’.
Tal qual uma proibição estatutária pode aumentar a probabilidade de que tribunais permitam o que não é proibido pelo estatuto, a aplicação de uma legislação permitindo algo pode aumentar a probabilidade de que juízes irão proibir coisas relacionadas que não tenham sido expressamente permitidas.
As proibições permissivas têm mais chances de ocorrer quando o julgador tem mais informação do que o legislador ruim, mas o bom legislador possui informações ainda melhores. Intuitivamente, as proibições permissivas tomam forma quando o julgador possui razões para seguir a legislação quando é considerada boa, mas razões para ignorá-la quando é considerada ruim.
Concluiu-se que a ideia de que proibições estatutárias podem ocasionar permissões ajuda a explicar que a atividade reguladora existente visa aumentar e não diminuir os mercados privados. Por exemplo, o mecanismo das proibições permissivas demonstra que limites de taxas de juros bem escolhidos pela legislação podem ajudar a reduzir a probabilidade de sucesso das ações judiciais e levar a limites de taxas de juro efetivamente mais altos.
Apesar de um trabalho que traz muita matemática para o âmbito jurídico – e sabendo que matemática não é o forte da maioria dos juristas –, merece destaque a forma elucidativa com que os autores demonstram sua tese. É de uma matemática relativamente complexa, mas com a apresentação minuciosa das explicações, e principalmente ao elencarem exemplos que demonstram o alegado, os autores obtiveram êxito no objetivo final do trabalho.